segunda-feira, 2 de maio de 2016
Um devaneio sobre a graça
Tua graça é luz, disseram
Mas às vezes eu gosto de dormir até mais tarde,
fechar as cortinas e me aconchegar no escurinho
porque parece que nessas horas a luz incomoda
Tua graça é chuva, disseram
Mas a chuva molha a roupa bem passada, desarruma o cabelo
Embora ainda gostemos do cheiro de terra molhada
E quantas vezes usei o guarda-chuva do fardo, da culpa e da vergonha?
Quantas vezes o orgulho impediu a chuva de me desmontar e desfazer?
Tua graça é chuva, disseram
Mas a chuva faz enchente e destrói casa
Tua graça é incolor, disseram
Para que na transparência de todas as coisas ela pudesse ser vista
Mas às vezes as cores movem mais nossos olhos do que a transparência
E nos encantamos com o colorido, quando o mais importante não pode ser visto
E buscamos as máscaras quando deveríamos ser nós mesmos
E buscamos as capas quando não aceitamos que somos limitados
E achamos o sem cor sem graça, e vemos beleza no que nos disfarça
Tua graça é flor, disseram
Mas qual flor?
E erramos nas direções
E vemos pólen nos caules e espinhos nas pétalas
E trocamos a flor por cravos e por folhas derrubadas pelo outono
E reclamamos por não vermos tanta beleza na flor e tanto perfume nas pétalas
Quando na verdade nos contentamos cegamente com a erva daninha do jardim do vizinho
Tua graça é casa, disseram
‘Mas não pode ser apartamento?’
‘Depende do tamanho do coração’, responderam
Ah, mas casa não!
Casa falta piso, falta tapete, falta rebocar as paredes
Tem quarto que falta cama
Tem banheiro que falta chuveiro
Tem sala que falta sofá
Tem gente que falta amor
Então entendi que tua graça não é casa
Tua graça é lar
E nem toda casa é um lar...
Tua graça é fogo, disseram
Mas fogo machuca às vezes
Fogo é perigoso, fogo mata
Mas o dono da graça escreveu uma vez que odeia gente morna
E afinal, cada um de nós tem algo dentro de si que precisa matar
Tua graça é cruz, está escrito
E todo fardo nos foi retirado através da graça
E não há véu que nos separe do amor gracioso
E também me disseram que a cruz foi um abraço não finalizado e que a graça nos permitia terminá-lo
Foi consumado
Alto preço
Mas ainda somos egoístas
E fugimos do abraço
E achamos que não nos aceitarás porque não nos aceitamos
É difícil se perdoar
Então perdemos a essência da graça
Abraçamos a lei e nos achamos merecedores
Como se o dono da graça fugisse quando erramos
Tolice!
Parece que Ele está longe porque nós fugimos, e não Ele
A graça é constante, independentemente de nós
E então dormimos até mais tarde porque a luz dói os olhos
E usamos sombrinhas porque detestamos usar roupa molhada
E colorimos tudo porque incolor é chato
E preferimos o complicado ao simples
E colhemos cravos pensando que são girassóis
E temos preguiça de comprar o tapete de ‘bem-vindo’ pra entrada da casa
E temos medo de incêndio
E roubamos nossos fardos dos pés da cruz
E polimos os pregos com os quais furamos suas mãos todos os dias
Porque dormir é melhor que sair da zona de conforto
E molhar os pés de lama é melhor que se molhar todo
E transparência é lixo num mundo de aparências
E para ver as pétalas é preciso ver primeiro os espinhos
E comprar tapete é caro
E o frio em nós impede qualquer incêndio
Porque não aceitamos quem somos e achamos que o Senhor também não vai
Então perdemos a essência da graça
E o centro do evangelho perde o foco
Porque apesar de Seu tempo ser tempo de graça
Entre os humanos ainda é tempo de lei”
Ketlyn Viana Lopes
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Lindooooooo e verídico! Amei
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